o criminoso
A economia clandestina sempre teve as suas regras. Em particular quando havia a transacção de produtos ilegais, perigosamente ilegais. Uma das regras era não delatar os locais de consumo nem os traficantes. F. havia sido preso, estava sem dormir havia 36 horas, vestido apenas com uma T-shirte e uns calções, descalço sobre um chão de cimento húmido de uma cave fétida da polícia e enfrentava agora um interrogador. Não estariam mais de 10 graus. F. mantinha-se de pé com luzes apontadas à cara, enquanto o verdugo se escondia atrás dessas luzes, pigarreou antes de lançar de chofre: onde é que arranjaram o produto? Silêncio. Quem é que lhe arranjou os dois produtos? Silêncio. Foi o mesmo traficante? Silêncio. sabes (o tratamento por tu era inevitável num interrogatório) a pena que arriscas se não colaborares com a justiça? Eu não sei de nada! Não sabes de nada? Estavas ou não a consumir? Todo o teu covil empestava ao cheiro do produto a ser queimado...Estava, mas sozinho e era só para mim. Só para ti? Vais-me dizer que conseguias consumir um kilo? Sozinho? Não me faças rir.... Um kilo dá dez anos meu menino. Um kilo não é consumo, é para traficar (outro uso tipo era tratar o interrogado como se fosse um criança) Sim era tudo meu, tencionava consumi-lo todo, todo o kilo. E mais houvesse. Tu sabes o que o consumo faz? Sei, faz lindamente, pelo menos a mim. Já antes de mim o meu pai consumia e o meu avô também. A estes vi com os meus olhos. Cala-te. Ouviu-se o bater de um martelo na madeira da secretária. Novo pigarrear, escrivão: o réu dá-se por culpado, aplica-se o artigo 435 conjugado com o 2358 cujo cúmulo jurídico dá 10 anos de degredo. Ouviu-se de novo o martelo e a frase “o próximo”. Meretíssimo, não me foi dado advogado! O seu crime, de tráfico e consumo não permite julgamento à porta aberta nem advogado, o réu (desta vez já não era por tu nem por menino) o senhor (fora promovido) foi apanhado em flagrante a assar sardinhas, no carvão, a libertar dioxinas e a perseguir uma espécie protegida. “próximo”.