a revolução em marcha
A notícia corria na web, mas de forma dissimulada. Cada consumidor tinha que se inscrever numa plataforma. Usava um nome falso, morada falsa e tinha de prestar um juramento em conforme manteria segredo. Toda a actividade era altamente ilegal, apesar de ser prestada por voluntários, mas como diziam as notícias, também os terroristas são voluntários. Comemorava-se o quinto mês do encerramento. O Grande Irmão continuava a proibir os relacionamentos. Esperava-se reduzir a população do planeta em 500 milhões. As estruturas de afecto haviam sido destruídas. Afectadas pelo medo, as pessoas tinham deixado de se olhar, passavam umas pelas outras baixando os olhos, era a forma, diziam-lhes, de reduzir o perigo de contágio. A palavra afecto tinha sido retirada do Novo Dicionário da Nova Língua Oficial.
Não se sabia quem já estava curado e quem era um PEPASAPU – um perigo para a saúde pública – pelo que continuava o Afastamento Preventivo. Há muito que as empresas regressaram ao trabalho, excepto as do turismo, pretendia-se o mínimo de contacto com o exterior. As fronteiras mantinham-se fechadas, entre dentes chamava-se a cortina de aço.
Um dia do terceiro mês as forças de segurança haviam prendido dois homens que se tinham abraçado. A pena de 3 anos de desterro aplicada serviu para garantir que não haveria segundos exemplos. Nesse dia também a palavra abraço foi retirada do dicionário. Um casal apanhou uma pena ainda mais grave, tinha-se não só abraçado como beijado.
Aos poucos a reacção tinha começado, nas farmácias aderentes, únicos estabelecimentos que podiam ter uma sala não vigiada, para tratamentos, os revoltosos juntavam-se, dois a dois e abraçavam-se. Por norma um abraçador fazia um turno de seis horas.
Na rua os abraçadores reconheciam-se por sinais discretos.
Até que um dia a revolução começou, num acto simultâneo diversos falsos recitadores, já há muito que não havia jornalistas, apenas recitadores de notícias forjadas, num directo, uma falsa recitadora havia abraçado um ministro. Foi o caos sobretudo porque foi apanhado em grande plano e o ministro sorriu e instintivamente respondeu ao abraço.
Foi o dia um da revolução.