Contador de contos
Hoje vou contar-vos uma história. Do meu pequeno banco, aqui na Jemal-el-Fna nesta cidade de Marrakesh, rodeado de homens morenos trajados de djelabas. Eu não estou realmente habilitado como contador de histórias. Nunca fiz um curso de contador pelo que o tricot palavroso necessário é-me desconhecido. Ouvi, contudo outros contadores e vi, melhor, ouvi a sua técnica: é dar enfase à casca e, se necessário, menos ao recheio. No entanto as histórias são como a luz da lua e as canções de amor – nunca passam de moda. Agora a história: um dia, um pequeno homem, daqueles tão pequenos que sobem aos sicómoros quando querem ver a vida, saiu para passear no campo. Andou, durante meio dia, por veredas ladeadas de giestas, sentindo o cheiro forte a alfazema e a pó. Calçara umas botas de sola grossa de borracha, umas calças leves, mas curtas que lhe deixavam as meias e os magros tornozelos à vista, uma T-shirt, branca, justa, demasiado, ao ponto de se lhe verem as marcas dos ossos, da magreza. O dia estava esplendoroso. Todo ele era sol e azul. Nestes dias os sentidos apuram-se. Ouvimos os cantos dos pássaros e o chamamento do vento. Numa esquina dobrada pelo vento e brotando do chão, como uma fonte, no meio de uma vegetação invasiva e hoje luxuriante, existia branca e verde uma antiga casa de guarda-florestal. O telhado ainda intacto acolhia uma cama de caruma. A porta fora-se, mas as janelas mantinham os vidros, opacizados de anos de carência de limpeza. Bateu as palmas, só por descargo de consciência. Entrou olhando o chão. Nele, um pássaro putrefacto jazia sobre as pedras do pavimento. Era, tinha sido, um estorninho. Os tons roxos e pretos estavam mesclados com uma cobertura de formigas. Havia inchado do rigor mortis passaroco e rebentara. Compondo esta natureza semi-morta e acrescentando um toque de cor estavam gafanhotos verdes espectadores da cena macabra. Um pouco mais à frente o que fora um lagarto era devorado pelas omnipresentes formigas. Levantei os olhos e deparei-me com os olhares enojados de dois miúdos de olhos escuros, grandes orelhas e um pequeno buço. Terão dez anos e tão parecidos que serão gémeos. Ao lado, o pai, de barbicha, barrete de crochet e unhas de guitarrista sorria mostrando uns dentes cativos de quarenta cigarros diários. Estava na altura de mudar de história, para uma mais leve, e pedir outros dez dirhams.