o Carrossel
O carrossel sempre fascinou as gentes. Primeiro as músicas, depois os cheiros da envolvente, as farturas, o algodão doce, coisas quase palpáveis, mesmo se fosse cego. O movimento das figuras e a possibilidade de as montar, os elefantes, os cavalos, mas sobretudo da girafa, enquanto se era observado, isso era a suprema glória. Desde pequenos que alguns investiam no carrossel. Faltavam à escola, deixavam de falar com os que se mantinham agarrados aos livros e aquela ocupação espúria de ler, escrever e contar. No carrossel começavam de baixo. Tentavam e conseguiam ocupar um lugar nas gigantescas chávenas que haviam visto no livro de desenhos do feiticeiro de Oz. Começavam então uma carreira. A primeira prova era conseguir andar revolteando e subindo e descendo sem enjoar. Repetidamente, sempre. Aos poucos dos leitores-contadores que se interessassem episodicamente pelo carrossel, era-lhes transmitido o enjoo que tal provocava e rapidamente desistiam voltando para sequências das suas actividades, mas leituras, mais contas…
A quem observava, de um ponto fixo, eles iam aparecendo e desaparecendo, mas nunca abandonavam o carrossel. Apenas mudavam de animal. Depois, quando já tinham intimidade com o cobrador dos bilhetes, pediam-lhe para por a máquina a rodar mais devagar e assim davam a ilusão, aos observadores, que havia tempos em que não estariam no carrossel.
Entre eles brigavam sempre pela girafa, por ser o animal que lhes dava maior visibilidade quando montado.
De quando em vez, mas muito mais quando do que vez, aparecia alguém de fora, que até estava habituado a montar. Cavalos a sério, por vezes mesmo elefantes. Aí começava a luta, que não conheciam as regras do carrossel que eles é que sabiam montar, que sempre montaram, de pequenos e que o carrossel não servia para quem andasse a montar coisas reais. Era só para quem sabia fazer de conta. De conta que sabia, de conta que faria…
Ai que um dia a música para.