o pó branco
Carlos dirigiu-se ao hospital. Estava cheio de saúde, pelo menos não apresentava queixas. Uma ida ao hospital era para ele um pesadelo. O cheiro a éter e a doença, os gritos, os gemidos, tudo o incomodava. Mesmo o branco omnipresente, das batas às paredes. Só em situações como aquela, inevitável, cedia. O seu maior amigo, Filipe, ia ser pai. A mulher dera entrada na urgência e como se previa uma “hora pouco pequena” viera fazer-lhe companhia. O hospital pedira-lhes que levassem lençóis, toalhas, compressas e os medicamentes. Eram as novas regras desde que fora decretado o fim da crise. As horas passavam. Chegara pelas seis da tarde e o ciclo das entradas de acidentados não parava. Convidou o amigo para o acompanhar até ao bar. Apetecia-lhe um café. Desde que fora à Turquia viciara-se no café turco, forte e cheio de açúcar. Tirou uma moeda do velho porta-moedas castanho e introduziu-a na máquina. Estranhou, mas não havia versão com açúcar. Esperou que o café fumegasse no pequeno copo de plástico e dirigiu-se ao balcão para pedir o adoçante. “O Sr. Não sabe? É proibido! O açúcar faz mal à saúde” provou o café. Era mau e para mais amargo. Ia a deitar o copo no lixo quando um homem vestindo uma gabardina cinzenta e com uma bolsa a tiracolo lhe segurou a mão. “quer pó branco?” “amigo eu não me drogo” “açucar homem” “sim, claro”, “venha comigo aos lavabos; deixe-me ir à frente” Carlos cumpriu as indicações. Quando entrou estranhou os cheiros. Em vez de desinfectante de wc cheirava a hambúrgueres que se transacionavam de forma discreta, trocando embrulhos pardos por notas. “são cinco euros o pacote” “como?” “um euro os 8 gramas” “depende da hora, à meia-noite são cinco” Carlos pagou os dois euros e ia a sair com os pacotes na mão. Um desconhecido colocou o pé na porta. Olhou-o nos olhos “olhe lá, está a ver se vamos todos presos?”. Percebeu, colocou o açúcar dentro do copo e antes de ter tempo de sair os pacotes vazios foram-lhe arrancados da mão e deitados no lixo.
Passou pelo amigo e propôs-lhe irem jantar à roulotte em frente. A oferta era, apenas, fruta, leite e água. Tinham ainda uns batidos para vegans. Carlos olhou o vendedor nos olhos. “cheira-me a febras não achas Filipe?” mantinha-se a olhar para o vendedor. “não me cheira a nada senhor” tudo o que vendo foi aprovado pela lei 42 do governo”. Viam-se gotas de suor a correr pela testa. A voz tremia ligeiramente. “não sou da policia, só queria mesmo jantar”. O homem baixou a voz “50 euros, uma bifana num pão caseiro, com mostarda mais 5 euros, o ketchup é grátis”. “50 euros???” “meu amigo, à meia-noite são 100”.
Ouviram-se gritos, dois polícias de cassetete em punho corriam atrás de um homem que carregava uma mochila. Do éter apareceu um carro da policia que se atravessou à frente do fugitivo. Conseguiram imobilizá-lo. O homem mantinha-se no chão a arfar. Um dos polícias abriu-lhe a mochila e despejou-a no chão. Gritos de nojo de quem passava. Viam-se bolos de arroz, queques e pastéis de nata. “um passador! Malandro, vais preso por 20 anos”. O segundo polícia espancava sem dó o homem no chão.
Carlos soube nesse momento que tinha de passar à clandestinidade.